Análise

Trabalho em condições análogas à escravidão

Causou forte impacto a notícia veiculada no dia 28 de fevereiro sobre o resgate de 207 trabalhadores supostamente submetidos à condição de trabalho análogo à escravidão na Serra gaúcha

Eduardo Allgayer Osorio
Engenheiro agrônomo, professor titular da UFPel, aposentado
[email protected]

Causou forte impacto a notícia veiculada no dia 28 de fevereiro sobre o resgate de 207 trabalhadores supostamente submetidos à condição de trabalho análogo à escravidão nas vinícolas da Serra gaúcha. Na ocasião, a vinícola Aurora declarou "receber com surpresa a notícia, reiterando o seu compromisso com os direitos humanos e trabalhistas, como sempre fez em 92 anos de existência". Segundo ela, "contando com 540 funcionários, na safra precisa contratar temporariamente trabalhadores para as operações de carga e descarga, pagando à empreiteira R$ 6.500,00 mensais por trabalhador, oferecendo-lhes alimentação de qualidade, com café, almoço e janta, sem distinguir os contratados dos funcionários efetivos da empresa". Prometendo revisar a política interna em relação aos terceirizados, enfatizou entender "que o trabalho é sagrado; trair esse princípio equivaleria a trair sua própria história". Já a vinícola Salton, avocando um legado de 112 anos de existência, reforçou ser referência em sustentabilidade, como "signatária do Pacto da ONU para projetos de responsabilidade social", acompanhada pela cooperativa Garibaldi que, fundada por imigrantes italianos chegados ao Brasil há mais de um século, conta hoje com 450 associados, na maioria pequenos proprietários que usam na lavoura prioritariamente a mão de obra familiar.

Em acordo firmado com o Ministério Público do Trabalho, as vinícolas concordaram em indenizar os trabalhadores envolvidos, no valor total de R$ 7 milhões, "não como assunção de culpa ou de responsabilidade pelas irregularidades constatadas na empresa prestadora de serviços", mas por questões humanitárias.

Para o pesquisador Carlos Haddad, da Universidade Federal de Minas Gerais, "é enorme a desproporção entre o número de denunciados por crime de redução à condição análoga à de escravo e os resultados gerados pela Justiça", apoiado em estudo feito onde "dos 2.649 réus denunciados no País entre 2008 e 2019, apenas 112 tiveram condenação definitiva, dando-se a maioria das absolvições por insuficiência probatória", concluindo existir uma "consistente desproporção entre os achados por parte da fiscalização e os resultados gerados pelo sistema judicial", valendo-se os juízes na maioria dos casos do "princípio do consentimento motivado".

Sobre esse tema, a Federarroz declarou: "os fatos narrados reclamam parcimônia por parte dos órgãos fiscais, imprensa e sociedade civil visto que, pelo ordenamento jurídico, o não cumprimento de regras trabalhistas não culmina necessariamente em enquadramento dos fatos como análogo à escravidão, por exigir isso requisitos específicos".

Segundo o portal Terra, "durante recente coletiva de imprensa, o delegado da Polícia Federal Adriano Medeiros do Amaral afirmou não haver encontrado até o presente evidências de envolvimento das vinícolas nos casos de trabalho análogo ao escravo investigados na Operação Descaro".

Qualquer que seja o resultado desse imbróglio, um consistente prejuízo já pode ser contabilizado, visto diversos supermercados estarem devolvendo às vinícolas os produtos recebidos e roteiros turísticos do Vale dos Vinhedos estarem sendo cancelados, afetando negócios, pessoas, reputações e serviços prestados pelas indústrias, agências de turismo, restaurantes, bares, hotéis, comércio, transportadoras e outros, restando milhares de produtores de uva apreensivos quanto ao destino a ser dado às suas colheitas.

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